Os meses passam, o país queima, Bolsonaro perde apoio, e a Damares… Continua sendo a Damares. Apesar das inúmeras polêmicas do Presidente tirarem os holofotes de cima da ministra, as declarações polêmicas não cessam.
Tudo aconteceu em Santa Catarina. Primeiro, na quarta-feira, o Governador Carlos Moisés (PSL) afirmou que não permitirá a abordagem de ideologia de gênero nas escolas do Estado. No dia seguinte, seu secretário da Educação, Natalino Uggioni, reafirmou a determinação do Chefe do Executivo, dizendo que sua ideia era que não exista nenhum conteúdo de ideologia nas escolas.
Nesse mesmo dia, Damares, que estava no Estado para um evento na Assembleia Legislativa, endossou as falas, afirmando que “ideologia de gênero é violência contra a criança. Não é diversidade sexual, não são os homossexuais, as lésbicas e os travestis. É além disso. Escolheram o Brasil como laboratório dessa teoria, mas estamos mandando um recado que acabou a brincadeira, nossas crianças não são cobaias.”
Esta não é a primeira – e provavelmente não será a última – vez que a ministra diz impropérios quanto à dita “ideologia de gênero”. Mas na situação narrada acima, tanto Damares quanto o corpo executivo de Santa Catarina endossaram um discurso que, apesar de equivocado, parece continuar a crescer. Dos diversos problemas advindos do desconhecimento sobre o assunto, a educação sofre sério baque, e todos perdem. Essa coluna pretende mostrar por quê.
As fake news acerca da ideologia de gênero
A campanha eleitoral de 2018 foi maculada por diversos problemas. Diversas prisões e batalhas judiciais, movimentos sociais altamente agressivos e a polarização que dividiu famílias foram apenas uma parte de um momento altamente beligerante no país.
Um problema central da campanha do ano passado, que mudou os rumos do jogo e causou sérios prejuízos a todos os envolvidos foram as chamadas fake news. Das notícias mais dúbias às mais estapafúrdias alegações, o fato é que as fake news tiveram boa dose de responsabilidade pela eleição de Bolsonaro.
Dentre as notícias disseminadas, parte delas tinham algum teor contrário à chamada ideologia de gênero. Era a mamadeira de piroca, Haddad querendo mudar gênero de crianças, Manuela D’Ávila usando camisa com os dizeres “Jesus é travesti” … Por mais absurdas que parecessem, essas notícias vendiam, e o PT, que já vinha com a imagem arranhada, perdia votos para o candidato disposto a enfrentar fantasmas.
Por que se acredita em fake news – e por que elas são maléficas à educação
Esse tipo de bizarrice tem servido de base para a formulação de políticas públicas sobre educação em todo país, e não só em Santa Catarina. Sem se aprofundar em evidências, políticos tomam medidas populistas e grandiloquentes para “eliminar o mal” da ideologia de gênero, e os pais, que muitas vezes não podem – ou não querem – acompanhar a vida escolar dos filhos, acabam por endossar e disseminar as mentiras.
O que os pais parecem não saber é que a esmagadora maioria das notícias que atribuem má conduta de professores no tocante à educação sexual são mentirosas. Além disso, ignoram-se todos os benefícios advindos da educação sexual e de temáticas de gênero construídas com qualidade e respeito.
No último ano, a UNESCO divulgou a Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade, na qual conclui que a educação sexual ajuda a juventude a ser mais responsável em suas atitudes e comportamentos em relação à sexualidade, e tem importante papel no combate ao abandono escolar das meninas devido ao casamento infantil ou forçado, gravidez na adolescência e problemas de saúde. Além disso, ao contrário do que é apregoado pelo senso comum, a educação sexual não aumenta a atividade sexual, o comportamento sexual de risco ou as taxas de infecção por HIV ou outras infecções sexualmente transmissíveis.
Além disso, a escola precisa fazer seu papel na construção de uma sociedade mais igualitária, especialmente num país em que a homofobia mata uma pessoa a cada 16 horas, e no qual o número de mortes de mulheres dentro de casa aumentou 17% nos últimos 5 anos. A educação é, sim, tarefa dos pais; mas, antes de se propor a educar qualquer um, precisamos estar educados, sob pena de criar – mais uma… – geração de alienados.