Na última segunda-feira (02), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) anunciou o corte de 5.613 bolsas da pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado no país a partir deste mês. As bolsas já existentes não serão substituídas, nem renovadas. A justificativa dada pelo Governo é que haveria a economia de R$ 37,8 milhões para 2019, podendo chegar a R$ 544 milhões nos próximos quatro anos.
Além das bolsas da CAPES, pesquisadores afirmam que as 80 mil bolsas disponibilizadas pelo CNPq também estão sob risco de suspensão.
Esse não foi o primeiro corte feito pelo Governo Federal no orçamento da educação. Há poucos meses, o Brasil foi palco de diversas manifestações estudantis contra o bloqueio – chamado, pelo Governo, de “contingenciamento” – de 30% das verbas destinadas às despesas discricionárias das Universidades Federais. Para piorar o panorama, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que quase R$ 1 bi retirados da educação foram destinados ao custeio de emendas parlamentares. O projeto de Lei Orçamentária de 2020, por sua vez, reduz quase a metade dos recursos do governo federal para pesquisas: de R$4,25 bilhões para R$2,20 bilhões.
Os cortes nas bolsas, ao contrário do que se poderia imaginar, não afeta só a vida dos pesquisadores. Isto porque grande parte das pesquisas são destinadas a projetos que beneficiam direta ou indiretamente à população; além disso, a tendência é que ocorra a fuga de cérebros, e todos os investimentos feitos até agora nas pesquisas são perdidos.
É do que passaremos a tratar.
A saúde não anda: cortes em pesquisas impedem descobertas
Os pesquisadores do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho conseguiram descobrir que, ao contrário do que se imaginava, o vírus da zika não afeta somente o cérebro de fetos, mas também o de adultos. A pesquisa para por aí. Com o corte das bolsas, o estudo, iniciado em 2006, será provavelmente descontinuado. “Com o corte dessas bolsas, ocorre uma paralisação de toda a ciência e tecnologia do país”, afirmou a cientista Claudia Pinto Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, que coordenou a pesquisa. “Não temos força de trabalho visto que, nas universidades brasileiras, não existem postos de pesquisadores, só de professores. Quem ocupa os postos de pesquisador são os alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.”
Também tinha relação com o vírus da zika a pesquisa de Gabriela Pinheiro. A doutoranda se dedicava a estudar se o vírus poderia ser útil no tratamento de tumores cerebrais. Sem a bolsa, está desistindo da pesquisa. “Agora não sei o que fazer. Sem bolsa, não dá para continuar. E o nosso projeto é de extrema importância para a saúde pública. Está cada vez mais difícil fazer pesquisa no Brasil”, disse Gabriela.
Outra pesquisa ameaçada traz avanços no tratamento da hanseníase. O Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará desenvolveu, ao longo dos últimos 8 anos, uma biomembrana que auxilia na cura das feridas causadas pela doença. A tecnologia já foi testada com sucesso em 12 pacientes, e, através dela, lesões abertas há cinco anos podem ser cicatrizadas após um tratamento que dura apenas 60 dias. Agora, falta à equipe a validação do uso da membrana no SUS.
No entanto, além da falta de recurso que já vinha dificultando o estudo – no laboratório faltavam até luvas e algodão -, o corte das bolsas inviabiliza que os pesquisadores continuem se dedicando à pesquisa.
Impactos econômicos: da dependência externa à perda de investimentos
O primeiro impacto que se nota é o fato de que todos esses avanços feitos acima podem se perder. Sem dar continuidade aos trabalhos, é muito difícil, praticamente impossível – e custoso – retomar num futuro (distante, diga-se de passagem, já que não se vislumbram melhoras no médio prazo em termos de orçamento) a pesquisa do ponto em que se parou. Quem faz ciência, bem sabe disso.
Essas pesquisas, se não são feitas, aumentam os gastos da máquina pública. É o caso do trabalho desenvolvido pelo Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (Lasape) da UERJ, que desenvolve substâncias como o luminol — que identifica sangue nos ambientes —, biocidas de água de lastro e reagentes para descoberta da presença de drogas, e os vende para as polícias a um preço muito mais baixo que o praticado no mercado. Sem os alunos que desenvolvem os produtos, é necessário pagar mais pelo mesmo material fora da Universidade.
Além disso, alguns pesquisadores apontam que, sem produção científica, a tendência é que passemos a depender de tecnologias externas. A tendência de paralização das ciências é iminente. “A consequência não é só que o pesquisador não vai publicar um artigo agora. Grupo inteiros de pesquisa vão deixar de existir. Os professores se aposentam, a infraestrutura se degrada e acaba”, afirma o integrante do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Paulo Jabardo.
A consequência disso é que seguimos nos afundando no atraso. Corremos para trás. E para piorar, a desinformação do que acontece dentro dos muros da universidade faz com que muita gente se coloque a favor dos cortes, para não alimentar a “balbúrdia”.
Não esqueçamos quem apoiou os cortes quando estivermos totalmente às escuras.