Uma parte da vida da dona de casa Fernanda Ursulino chegou ao fim no último dia 23 de julho, em uma viela do Morro do Vidigal. Naquele dia, seu marido, o sargento da Polícia Militar Hudson Silva de Araújo morreu durante um patrulhamento na comunidade, vítima de um ataque feito por traficantes.
A partir daquele momento, Fernada sabia que seriam apenas ela e as duas filhas, de 13 e 14 anos, frutos do casamento com o policial.
“Você não tem ideia do que é ter que dizer para duas meninas que o pai delas foi assassinado. A verdade é que, no Rio de Janeiro, policiais se transformaram em caça. Não há outra palavra para descrever: é uma caçada”, classificou.
Fernanda estava entre os parentes e amigos de policiais assassinados que, na manhã deste domingo (3), promoveram um ato ecumênico no Aterro do Flamengo, na Zona Sul da cidade. Cerca de 200 pessoas participaram da manifestação.
“Este encontro não é apenas para homenagear os policiais que tombaram. Nós queremos, também, sensibilizar tanto Legislativo quanto o Judiciário para que haja uma revisão da legislação criminal brasileira. Da forma como funciona hoje, o Código Penal é um estímulo aos criminosos – eles sabem que, depois de presos, estarão de volta às ruas em pouquíssimo tempo. O PM tem que lidar com isso, com essa impunidade, todos os dias”, afirmou a cabo Flávia Louzada, do Movimento Sangue Azul, uma das entidades responsáveis pela organização do ato.
A matança de policiais, no entanto, não está limitada a 2017.
“Era dia 28 de fevereiro de 2014. Eu me lembro de cada detalhe. Meu marido estava em um posto de combustíveis em Itaguaí quando bandidos chegaram ao local para roubarem o estabelecimento. Durante a ação, eles descobriram que ele era policial militar. Os criminosos o mataram sem qualquer chance de defesa”, relembrou Andréa Pontes, de 45 anos.

Ela era casada com o policial militar Eduardo Rogério Soares, que tinha 47 anos à época em que foi assassinado. Para cuidar da filha, então com 14 anos, precisou abandonar o emprego. Um período de dificuldades financeiras veio logo em seguida, fruto da demora para a liberação da pensão.
“Foram seis meses até que o Estado resolvesse a burocracia para que eu começasse a receber a pensão. Eu e minha filha sofremos muito”, relembrou.

Pouco antes do fim do ato, representantes de várias religiões se reuniram para fazer a oração do Pai Nosso. Bonecos que simbolizavam PMs assassinados foram colocados no chão do aterro.
Logo em seguida, pouco antes do meio-dia, a manifestação chegou ao fim.
A marca de 100 PMs mortos foi atingida no dia 26 de agosto. O número indica que um policial é morto a cada 57 horas, ou pouco mais de dois dias. A média é a maior desde 2006, quando um policial foi assassinado a cada 53 horas.
Em média, um policial morreu a cada 64 horas no Rio desde 1995, somando 3.087 vítimas durante este período. Essa é a conclusão feita a partir de estatísticas da Polícia Militar a que a nossa reportagem teve acesso. A taxa de mortalidade entre 1995 e 2016, segundo a PM, é maior do que a de soldados americanos na Segunda Guerra Mundial.
