A locomoção na cidade do Rio de Janeiro virou um desafio diário. Mesmo com a grande diversidade de modais disponíveis, parece difícil superar a falta de planejamento urbano, as altas tarifas e o excesso de veículos particulares nas ruas. Por isso, a cidade se tornou terreno fértil para soluções inteligentes e diferenciadas, cujas propostas de melhoria para o cotidiano urbano superam os meios tradicionais e trazem movimentos que reduzem a ideia individualista de transporte confortável.
Uma dessas ideias é a de aplicação da economia compartilhada à micromobilidade urbana. Para estudar o tema, o Noticiário do Rio conversou com a Tembici, empresa que opera as bicicletas laranjas que tomaram conta da paisagem carioca, e com Licínio M. Rogério, engenheiro, diretor de mobilidade da AMA – Botafogo, coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana e membro do Conselho Municipal de Transportes.
O que é a economia compartilhada e a micromobilidade? Como se aplica ao transporte público?
A economia compartilhada pode ser definida como um conjunto de ações mercadológicas que propiciem o acesso a bens e serviços compartilhados coletivamente por meio de trocas, empréstimos ou aluguéis. O usuário não quer possuir a coisa, mas sim, usufruir dela; por isso, ao invés de pagar para tê-la, prefere pagar pelo acesso e uso temporário.
A micromobilidade, por sua vez, é um termo que se utiliza em referência aos veículos de pequeno porte utilizados nas cidades para o percurso de pequenas distâncias, que, de modo geral, são únicas para cada pessoa. É o caso do trajeto, por exemplo, de um modal de grande porte até a casa ou o trabalho do usuário. Esta pode ser uma solução eficaz para o uso de veículos automotores tradicionais, que ocupam mais espaço nas vias, causam maior poluição e demandam maiores gastos.
Um bom exemplo de aplicação da economia compartilhada na micromobilidade é o uso das bicicletas e patinetes compartilhados. O usuário, ao invés de comprar uma bicicleta ou um patinete, aluga o meio de transporte, podendo fazer uso do bem mediante pagamento de tarifa. Assim, o passageiro ganha um meio eficaz para a realização de microdeslocamentos, a baixo custo e com fácil acesso.
“O sistema de bicicletas compartilhadas foi implementado no Rio de Janeiro em 2012 e, desde o seu lançamento, teve o total apoio do poder público que acreditava na bicicleta como potencial modal de transporte de micromobilidade”, diz Laura Chiavenato, assessora de imprensa da Tembici, empresa que, em parceria com o Itaú Unibanco, implantou o projeto BikeRio na cidade. “Importante esclarecer que nosso sistema de bicicletas compartilhadas tem, em todos os locais onde opera, contratos com o poder público e as estações são aprovadas pelos órgãos competentes.”
O projeto cresce a largos passos e tem bom retorno do usuário. As empresas Grin e Yellow, startups que disponibilizam patinetes elétricos e bicicletas na cidade, informaram seus planos de fusão e, juntas, terão mais de 135 mil patinetes e bikes em sete países, realizaram 2,7 milhões de viagens em seis meses e contam com 1,1 mil funcionários. Por sua vez, a Tembici também ampliou seus serviços, passando de 700 para 2.600 bikes de 2018 até hoje, cada uma realizando, em média, 10 viagens ao dia. “Os maiores picos de uso são em dias úteis, entre 7h e 9h, 12h e 14h e das 16h às 19h, mostrando que grande parte das pessoas usa o modal para ir e voltar diariamente para o trabalho. Já aos finais de semana o movimento é constante a partir das 10 horas da manhã, se mantendo intenso até as 19h. O tempo médio de viagem também varia; durante a semana é de 24 minutos e aos finais de semana são 38 minutos em média curtindo as belezas cariocas”, conta Laura Chiavenato.
Desafios para a micromobilidade
Apesar do rápido crescimento da atividade, as operadoras envolvidas na micromobilidade urbana ainda enfrentam grande dificuldade para atingir ao público mais velho. Isto porque o enfoque das empresas tem sido majoritariamente na geração Y, e a utilização massiva de plataformas digitais como meio de uso do produto acaba por afastar este nicho.
Outro problema associado à micromobilidade é que, embora muito se fale em diminuição de impactos, uma pesquisa do Instituto Akatu, feita em 2015 com gestores de 110 iniciativas de economia compartilhada ao redor do globo, concluiu-se que pouco se sabe, efetivamente, acerca da dimensão desses impactos. As intenções são boas – 94% dos gestores afirmaram desejar causar impactos sociais ou ambientais positivos -, mas, na prática, apenas um em cada quatro gestores efetivamente mediram os efeitos de seus negócios.
Licínio M. Rogério também aponta que os patinetes elétricos trazem uma série de efeitos colaterais desagradáveis. “Nada contra os patinetes, mas sim contra a irresponsabilidade. É um veículo pequeno com alta velocidade, mas não traz nenhum tipo de capacete ou outros meios de segurança, fazendo com que as pessoas se lesionem. O fato de o patinete ficar abandonado pela cidade também é muito ruim e atrapalha a vida de quem tem baixa capacidade de locomoção, como os cegos; o ideal seria que houvesse pontos ou estações para deixar os patinetes”.
A cidade de São Paulo já começa a aplicar medidas visando à proteção do usuário do patinete. A partir do mês de junho, haverá a obrigatoriedade de uso de capacete, proibição de uso nas calçadas e estabelecimento da velocidade máxima em 20km/hora. Caso não se respeitem essas regras, a empresa fornecedora dos patinetes pode ser multada em valores que variam entre R$ 100 e R$ 20 mil.
Questionado quanto ao futuro destes meios de transporte, Licínio M. Rogério é enfático ao dizer que o que importa é a responsabilidade na implantação. “Quando os carros chegaram ao Rio de Janeiro, uma pessoa andava na frente dos carros avisando aos transeuntes da passagem. A prefeitura pode usar o modal sem problemas, desde que haja responsabilidade no seu uso.”
Entrevista – Laura Chiavenato, assessora de imprensa da TemBici
1) Houve algum tipo de resistência do poder público para implementação no Rio de Janeiro?
O sistema de bicicletas compartilhadas foi implementado no Rio de Janeiro em 2012 e, desde o seu lançamento, teve o total apoio do poder público que acreditava na bicicleta como potencial modal de transporte de micromobilidade. Importante esclarecer que nosso sistema de bicicletas compartilhadas tem em todos os locais onde opera contratos com poder público e as estações são aprovadas pelos órgãos competentes.
2) Quais os números de usuários? Se altera muito com os horários do dia?
Desde seu relançamento, em 2018, com a introdução da mais moderna tecnologia de compartilhamento de bicicletas do mundo, o projeto Bike Rio, operado pela Tembici e patrocinado pelo Itaú Unibanco, teve um aumento de três vezes no número de usuários do sistema em apenas um ano. Durante o período, a empresa também aumentou sua frota de 700 para 2.600 bikes, que realizam em média 10 viagens por dia cada. Os maiores picos de uso são em dias úteis, entre 7h e 9h, 12h e 14h e das 16h às 19h, mostrando que grande parte das pessoas usa o modal para ir e voltar diariamente para o trabalho. Já aos finais de semana o movimento é constante a partir das 10 horas da manhã, se mantendo intenso até as 19h. O tempo médio de viagem também varia, durante a semana é de 24 minutos e aos finais de semana são 38 minutos em média curtindo as belezas cariocas.
3) Quantas bicicletas e estações estão disponibilizados no Rio de Janeiro hoje?
Atualmente, temos 260 estações instaladas e 2.600 bicicletas que podem ser utilizadas pelos usuários. O novo sistema, com tecnologia da empresa canadense PBSC foi instalado em 2018 e trouxe facilidade para o usuário, que, agora, além de contar com um meio de transporte confortável, pode adquirir passes por meio dos totens com auto atendimento, aplicativo Bike Itaú e pelo site www.bikeitau.com.br. O aplicativo é disponível para iOS e Android e, para quem não possui cartão de crédito, basta ir ao ponto físico de atendimento do Bike Rio, para pagamento em dinheiro, (opção disponível apenas para compra de plano mensal). Além disso, há também a opção de pagamento via boleto bancário, nos pontos físicos.
4) Depredação é um grande problema para empresa?
Devido a alta tecnologia adotada em nosso sistema e as peças não terem valor comercial no Brasil, o nosso índice de vandalismo é muito baixo, sendo menos de 1% ao mês. Contribui também para isso o intenso uso das bicicletas que estão constantemente sendo utilizadas.
5) Quais são os desafios para implementação desse sistema no Rio de Janeiro?
O maior desafio acreditamos ser a definição de onde serão nossas estações, já que requerem um amplo estudo do comportamento dos cariocas, além de conversas com o poder público e a sociedade. O resultado busca seguir critérios dos sistemas de bicicletas compartilhados mais bem sucedidos no mundo. Para as posições de cada estação são analisadas, as formas de ocupação da cidade e considera-se mapas de concentração de transporte, empregos e serviços públicos. Dessa forma, o sistema, que se baseia no melhor funcionamento de um sistema de bicicleta compartilhada, busca estar em locais de maior concentração de empregos, com estações a 400m de distância umas das outras, aproximadamente, em uma malha contínua, densa e homogênea, garantindo que a bicicleta possa cumprir seu papel como última perna no deslocamento diário das pessoas.
6) Qual é o plano para o futuro da empresa?
Acreditamos que a interligação dos modais é o futuro da micromobilidade, setor onde atuamos. Representada pelos trajetos curtos realizados pelas pessoas no dia a dia, é a forte tendência detectada nos últimos anos e que deve manter-se ainda para os próximos anos. É algo que quebra o paradigma das soluções de transporte, que tradicionalmente sempre foram pensadas no trajeto casa-trabalho e trabalho-casa com um único modal. A tendência é que as pessoas cada vez mais possam utilizar diversos modais, para fazer o deslocamento diário, podendo fazer um trecho com aplicativo de motorista particular, outro com transporte público como metrô ou ônibus e um último trecho com bicicleta ou patinete. Já observamos esta tendência hoje já que 40% das viagens do nosso sistema hoje são iniciadas ou concluídas em locais de transporte de massa como estações de metrô ou terminais de ônibus.