Confiram o belo relato que a Carol Miltersteiner escreveu e autorizou que eu trouxesse aqui:
A gente acha que consegue dominar o que acontece nas nossas vidas. Ouvimos que a nossa realidade é de inteira responsabilidade nossa. Temos nos tornado cada vez mais ansiosos. Angustiados, assombrados por essa noção.
Ter o controle de tudo significa decidir cada pedacinho dos nossos dias. Significa metrificar os passos que damos, as horas de sono, as entregas no trabalho, as notas dos filhos.
Mas a vida, como diria um amigo e comediante, não tá nem aí pro teu planejamento. Saber se adaptar quando as coisas saem do controle é mais importante do que tentar controlar qualquer coisa em primeiro lugar.
Há exatamente quatro anos, eu estava viajando sozinha pelo Chile. Era a primeira vez que eu viajava sozinha, de mochila nas costas, por várias semanas.
Viajar nos coloca em constante impotência: existem tantos fatores que podem dar “errado”. Viajar – pra perto ou longe- é se permitir ser surpreendido pela vida. Em tempos onde os conteúdos, produtos e as relações são milimetricamente calculados para nos agradar, a sensação de surpresa parece até perigosa.
Mas é na surpresa que mora a graça.
Eu planejei a ida e a volta pra Porto Alegre, onde morava. Comprei um voo para a Ilha de Páscoa, um dos lugares mais isolados do planeta – a ilha faz parte do Chile e da Oceania, estando mais próxima da Nova Zelândia do que do litoral brasileiro, por exemplo. Reservei hospedagem para as primeiras e as últimas das 35 noites que passaria em viagem. As outras 30+ noites eu definiria no caminho.
Eu tinha três lugares em mente: a Ilha de Páscoa, o deserto do Atacama e a Patagônia. Como eu chegaria de um lugar para o outro, ou quanto tempo passaria em cada lugar, eram perguntas às quais eu não tinha resposta. Peguei avião onde achava que pegaria ônibus, peguei ônibus onde achava que pegaria barco, peguei barco onde achei que chegaria a pé.
Foram 36 dias de improviso, de adaptação. 36 dias que eu tive o privilégio de dar a mim mesma pra me ouvir, me entender. 36 dias que me permiti sentir medo, alívio e encantamento.
Como disse antes, uma das únicas coisas que eu havia reservado previamente era a última noite de viagem, antes da minha volta. E não era qualquer hospedagem: a reserva era em um resort caríssimo em Ushuaia, de onde partiria meu voo de volta pra casa. Seria o único lugar acima de 2 ou 3 estrelas onde eu ficaria, o único lugar “bom o suficiente” para o meu círculo social da época – feito de gente que ganha mais do que a maior parte da população. Uma noite naquele resort custou tanto quanto – ou até mais – do que quase todas as outras hospedagens (em barracas, hostels e AirBnb’s) juntas.
Errei o dia da reserva. Perdi a diária, o dinheiro e o all inclusive.
Quando me dei conta, estava pra pegar um ônibus e viajar por 20 horas seguidas rumo à Ushuaia, meu último destino. Foram 20 horas conversando com uma inglesa, um australiano e um americano. O australiano veio conhecer Porto Alegre, a inglesa me encontrou meses depois em Viena, e ano passado eu e meu namorado fomos visitá-la em Cambridge.
Ficar em hostels, viajar de ônibus, fazer trilha e ir atrás das experiências mais autênticas, me proporcionou uma experiência que hotel de luxo nenhum oferece. Deixar os dias fluírem ao invés de buscar o controle das horas me trouxe experiências inesquecíveis. Me trouxe GENTE, que me ensinou por onde ir, lá e aqui. Me trouxe amigos que reencontrei depois pelo caminho. Me levou a conhecer meu namorado e vir morar na Holanda, do outro lado do oceano.
O controle é uma ilusão. E quando a gente se dá conta disso, a vida passa a ter muito, muito mais leveza e graça.