O candidato ao governo do Rio pelo PSC, ex-juiz Wilson Witzel, possui três processos no Tribunal de Justiça do Rio por não pagamento de IPTU à Prefeitura do Rio de Janeiro relativo à casa que ele possui no Grajaú, na Zona Norte do Rio. Em dois desses três processos, há decisões para a penhora do imóvel onde o ex-magistrado reside. Eles tramitam na 12ª Vara de Fazenda Pública. No processo relativo a 2005, o imóvel chegou a ser penhorado em 2016. Os processos são referentes aos anos de 2004, 2005 e 2011 e seguem abertos.
No último dos processos, a dívida era de R$ 5,6 mil. A própria cota anual do IPTU do imóvel possui um valor atual de R$ 3.926,00 – total bastante inferior ao que Witzel recebia como salário de R$ 29 mil. Além disso, até se retirar da magistratura ele também tinha auxílio-moradia de R$ 4.377. Procurado, Witzel disse, por nota, que a dívida foi acumulada pelo inquilino da casa entre 2005 e 2010 quando ele morava no Espírito Santo.”A casa estava alugada e o locatário não pagou os valores devidos a título de IPTU.Os débitos foram parcelados nos exatos termos da legislação municipal”, diz a nota.
Witzel foi a grande surpresa no Rio de Janeiro quando as urnas abriram no último domingo. Ele obteve 41,28% dos votos válidos — mais de 3 milhões de votos — contra 19% de Eduardo Paes (DEM), que passou ao segundo turno com cerca de 1,5 milhão.
Paulista de Jundiaí, Wilson Witzel, tem 50 anos, e ingressou na carreira política depois de deixar a magistratura em fevereiro. Juiz federal desde 2001, ele deixou a toga e se filiou ao PSC. Antes da magistratura foi defensor público em Nilópolis, na Baixada Fluminense, e fuzileiro naval. Quando deixou o tribunal, atuava na 6ª Vara Cível no Rio, mas também foi titular de varas criminais e de execução fiscal. Desde 2015, cursa doutorado em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense. E foi essa vida estável e tranquila – com um salário de R$ 33 mil – que ele renunciou para disputar o governo do Rio de Janeiro em um dos momentos mais delicados da história do estado.
Witzel entrou para a disputa confiante em como o cenário político local e nacional poderia ajudá-lo. Sobretudo porque a classe política tradicional está fustigada devido à Operação Lava Jato. Em especial, o partido que mais detinha força até a última eleição, o MDB. No primeiro debate, ficou clara a falta de experiência. Tinha dificuldade para acertar o tempo de fala, olhar na direção da câmera. Aos poucos, foi se acertando. Mas para chegar ao segundo turno ele traçou ao longo da campanha uma imbricada estratégia de aliar sua imagem a de Jair Bolsonaro.
Em agosto, o coordenador da campanha de Wilson Witzel, o advogado Lucas Tristão do Carmo, encontrou-se com o publicitário Gutemberg Fonseca, dono da agência YXE, no Campo de Golfe Olímpico, na Barra da Tijuca. Carmo foi pedir uma ajuda ao marqueteiro, que participou da pré-campanha de Jair Bolsonaro e se tornou amigo do filho do presidenciável, o deputado estadual Flávio Bolsonaro. Queria aproximar o juiz do primogênito do candidato à Presidência que liderava as pesquisas eleitorais. Deu certo.
Gutemberg sugeriu que o juiz participasse de uma carreata ao lado de Flávio. No fim daquele mês, Witzel foi à carreata com Flávio em Japeri, município de 100 mil habitantes a oeste do Rio de Janeiro. A partir de então, esteve presente em todos os eventos de campanha do então candidato ao Senado. Flávio foi eleito senador com 31,36% dos votos válidos. Além disso, o nome e o número do juiz na urna passaram a ser indicados em grupos de Whatsapp como os candidatos da família Bolsonaro. Na manifestação de mulheres em apoio ao Bolsonaro, uma resposta ao #elenao, em Copacabana, Witzel figurou em cima do caminhão de som das apoiadoras ao lado de Rodrigo Amorim, deputado eleito do PSL e o mais votado do estado.
Não foi a única vez que ele fez campanha com Amorim, que foi vice na chapa de Flávio Bolsonaro à prefeitura em 2016. Witzel também esteve com ele quando em um comício em Petrópolis, na região Serrana do Rio. Na ocasião, vestidos de camisas amarelas com a inscrição “meu partido é o Brasil”, Amorim exibiu ao público como um troféu a placa retirada e quebrada por ele e que tinha o nome de Marielle Franco – uma homenagem posta à vereadora do Psol assassinada em março. Witzel estava ao lado dos dois quando Amorim bradou: “Eu e Daniel fomos lá e quebramos a placa”. A questão foi denunciada ao Ministério Público Eleitoral para investigar o desvirtuamento da propaganda eleitoral e a incitação à violência.Em nota, a assessoria de Witzel afirmou que ele apenas “discursava sobre suas propostas de governo” durante o ato”. O juiz disse ainda lamentar “a morte de qualquer ser humano em circunstâncias criminosas e que as investigações de homicídio devem ser conduzidas com rigor”. Defende que não mencionou a placa em seu discurso. “Fui surpreendido com a sua apresentação e qualquer pessoa que venha a imputar a mim qualquer coisa relativa a ela sofrerá as sanções penais cabíveis.”
Desde que despontou, Witzel tem respondido às críticas com ameaças. Na segunda-feira à noite, empolgado com a vitória nas urnas, Witzel esbravejou nas redes sociais com uma suposta propagação de fake news por seu adversário, Paes, a seu respeito. No vídeo, anunciou que daria “voz de prisão” ao candidato caso fosse alvo de “injúrias” durante o próximo debate entre os candidatos. Paes respondeu, dizendo que o juiz promoveu “ato arbitrário”.
E agora que é líder, Witzel é relembrado de episódios e amizades que destoam do discurso atual pela moralidade e combate implacável ao crime. Há poucos dias, ele disse ao GLOBO que “não possui nenhuma relação profissional” com o advogado Luiz Carlos Cavalcanti Azenha. O defensor foi um dos três advogados que esconderam o traficante Nem no porta-malas de um carro na Rocinha, em 2011. Era uma tentativa de fugir das Forças de Segurança que ocupariam a favela dias depois.A proximidade de Witzel e Azenha, porém, surge em diversas fotos em diferentes ocasiões. Em junho, os dois estiveram juntos em uma palestra da OAB do Rio sobre “Porte de armas para advogados e a Segurança Pública”. Em agosto, Azenha, como membro da comissão de Direitos Penal, pediu uma reunião a três integrantes da diretoria da Ordem e quando chegou lá solicitou que a diretoria apoiasse Witzel na disputa pelo governo do estado. “Ele pediu expressamente. Mas não rolou”, contou um advogado.
Quando foi noticiada a relação dos dois, Witzel logo se prontificou a dizer que Azenha era apenas um “ex-aluno”. Em mensagens com amigos, Azenha lamentou o comportamento e revelou ter sido impedido de falar. Lamentou o tratamento e disse que foi “a pessoa que iniciou e levou ele (Witzel) em todos os cantos desse estado acreditando nele”. “Na verdade, existem valores para a minha pessoa maior (sic) que o poder”, lamentou Azenha.
O discurso de corte de gastos também contrasta com uma manifestação liderada por ele em 2010. Em dezembro daquele ano, os juízes federais protestaram junto ao CNJ para pedir equiparação com os Procuradores da República. Sob o slogan “Conciliar é legal: a simetria é constitucional”, os juízes pleitearam simetria entre as carreiras para garantir aos magistrados vender o terço de férias, ter direito a auxílio alimentação, licença-prêmio e licença sem remuneração para tratar de assuntos particulares.Os juízes até cogitaram fazer greve.
Na ocasião, Wilson Witzel era diretor da da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) “Se essas questões remuneratórias não forem resolvidas em curto espaço de tempo, o que é desejável, a categoria dos juízes federais não elimina a possibilidade de até fazer uma greve. Será a primeira da história”, disse Witzel à revista ConJur, à época. De seu período na Ajufe, também ficou uma polêmica sobre a cessão de campos de futebol da Granja Comary para um torneio de juízes no mesmo período em que a CBF, chefiada por Ricardo Teixeira, tinha réus respondendo a processos na Justiça Federal.
O juiz também enfrentou uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça. Witzel pediu autorização para participar de um Congresso de Direito na Espanha entre 24 e 28 de fevereiro de 2014. O pedido, porém, foi negado pela corregedora Salete Maccaloz. Ele viajou, mesmo assim, no dia 19 – seis dias antes do evento – e retornou no dia 26, antes do fim. De volta às atividades, alegou desconhecer a decisão da corregedora e nas justificativas disse que tinha comprado as passagens com antecedência para comemorar na mesma viagem o aniversário de 10 anos de casamento. Depois de alguma discussão, a representação terminou arquivada.
Witzel também não deixou boas lembranças de quando lecionou Direito como professor substituto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Estácio. Uma turma da Uerj lançou um manifesto público relatando que ele confundia conceitos básicos e faltava às aulas. Maria do Rosário Leitão, 56 anos, foi sua aluna na Estácio, em 2002. Witzel foi professor da disciplina Penal I. Ela também não aprovou suas aulas dizendo que o juiz passava mais tempo falando de sua carreira do que da matéria. “Ele era arrogante, de contar vantagem”, explica ela. “Teve dias de eu chegar em casa e chorar porque tinha que me virar para entender a matéria”
Desde que obteve a vitória no domingo, o senador eleito Flávio Bolsonaro, primogênito de Jair Bolsonaro, reuniu com 13 deputados estaduais e 12 deputadosfederais do PSL, que haviam sido eleitos dois dias antes pelo Rio de Janeiro, no comitê do partido no Recreio, zona Oeste da cidade. A reunião na terça-feira, 9, tinha motivo: todos eles fecharam apoio a Witzel.
Ainda no domingo, 7, Witzel já começava a colher apoios. Ele reuniu colegas, amigos e imprensa no Campo de Golfe Olímpico. O senador eleito Arolde de Oliveira (PSD), os vereadores Otoni de Paula (PSC) e Claudio Castro (PSC), este último vice na chapa de Witzel, o deputado estadual Márcio Pacheco (PSC), o presidente do PSC, Pastor Everaldo, o ex-prefeito de Nova Iguaçu Nelson Bornier e seu filho, o deputado federal Felipe Bornier (PROS-RJ), estiveram entre os presentes.
Assim que foi aprovado para o segundo turno, Witzel recebeu um telefonema do senador Romário. Segundo interlocutores próximos à campanha do juiz, o adversário quis dar os parabéns, e ofereceu apoio contra Eduardo Paes. Witzel mostrou-se simpático à ideia, embora a impressão em seu entorno é a de que “não precisa” de ajuda para vencer o pleito em 27 de outubro. “A realidade é que ele não precisa de apoio de ninguém”, disse um assessor que preferiu não se identificar. A não ser o de Jair Bolsonaro.