“Nós falhamos”. Assim o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcello Crivella, resumiu sua atuação perante a forte tempestade que cai sobre a capital desde ontem à noite. O temporal, que interditou diversos pontos da cidade, deixou submersos tantos outros e vitimou ao menos sete pessoas, além de deixar três desaparecidos. Os rastros da destruição, registrados em vídeos que chegam incessantemente às redes sociais, fizeram desabar casas, muros, barrancos e, pela quarta vez, parte da ciclovia Tim Maia, deixando o cidade em estágio de crise – o mais grave do Sistema Alerta Rio.
O problema das chuvas na capital é grave, antigo e recorrente. Há pouco mais de dois meses, o Rio de Janeiro foi vítima de outra tempestade de grandes proporções, cujos atingidos foram, em grande medida, os mesmos que sofrem com a tragédia desta semana. A pergunta que não silencia é: por que se repete a mesma situação, nas mesmas localidades, há tanto tempo?
A dura resposta que deve ser dita é que as falhas com a cidade, longe de serem defeito exclusivo do Crivella, vem de longa data e perpassaram diversos governos, que mantiveram o panorama de negligência diante do grave problema. Em janeiro de 1966, uma grande tempestade deixou pelo menos 250 mortos, mais de 1000 feridos e 50 mil desabrigados; à época, a chuva serviu ao discurso do governo militar pela remoção das favelas, e acelerou a criação da Cidade de Deus, para realocação dos desabrigados. Um ano depois, em 1967, a chuva faz 300 vítimas na região de Laranjeiras, e acelera programas de contenção de encostas – com prioridade, obviamente, à Zona Sul. Em 1988, Saturnino Braga declarou que era como “se a cidade tivesse sido destruída por um gigante”, depois da enxurrada que levou 289 vidas.
Importante saber, no entanto, que o longo histórico de catástrofes não eximem os atuais gestores de responsabilidade; ao contrário, devem fazer com que a questão se torne prioritária dentro das pautas de governo, para que a resolução seja rápida e se evite maior perda de vidas. No entanto, o cenário é outro: a Prefeitura perde mais tempo dando desculpas e procurando os culpados mais diversos – seja a natureza, o Governo Federal ou até mesmo a “falta de oportunidade” da Defesa Civil em verificar o estado das habitações atingidas – do que em implementar soluções.
A Lei Orçamentária Anual de 2017 previam recurso de R$ 342 milhões para o combate às enchentes e contenção de encostas; deste valor, apenas R$ 41 milhões foram usados. Já em 2018, dos R$ 388 milhões provisionados, foram utilizados R$ 125 milhões. Como pode, então, a situação da cidade ser culpa da falta de repasses do Governo Federal?
A falta de investimento também não explica o ocorrido no Morro da Babilônia: na noite de ontem as sirenes das áreas de risco só tocaram quando a chuva havia atingido 45 milímetros – mas já era tarde, pois um deslizamento aconteceu quando a chuva atingiu 39 milímetros. A ocorrência, classificada pelo Prefeito como um “incidente”, levou a vida de duas irmãs, e deixou pelo menos uma pessoa desaparecida.
Reconhecer a falha, portanto, não é uma atitude nobre da Prefeitura, especialmente quando a falha não é justificável. Pouco importa de quem é a falha, se a solução se encontra em mãos inertes; enquanto não houver comprometimento com o povo que sofre, as desculpas somente servem de alívio à consciência daquele cujo sono deveria ser intranquilo. Para aqueles que perderam suas casas, seus bens e seus entes queridos, certamente as desculpas de nada adiantarão.