O mundo mudou. Desde os primeiros relatos de casos de coronavírus até os dias de hoje, experimentamos uma série de medidas jamais vistas em nosso tempo. Países inteiros tomam medidas drásticas de isolamento social, indo desde o fechamento de comércio até a aplicação de multas aos que circulam sem motivo relevante. Nosso estilo de vida mudou significativamente da noite para o dia, e todos nós, independentemente de gênero, classe social e idade, sentimos o impacto dessa nova realidade.
Não poderia ter sido diferente com os estudantes. De acordo com a UNESCO, metade dos estudantes do mundo estão sem aula por causa da COVID-19, e a tendência é que esse número siga aumentando. Com o ano letivo interrompido, ou sequer iniciado em alguns locais, temos mais um desafio a superar nessa crise: como manter o aprendizado de crianças e adolescentes, de maneira inclusiva e equitativa?
Achar a resposta para essa pergunta não é tarefa fácil. No entanto, o questionamento joga luz sobre muitas questões que necessitam ser debatidas e tratadas com maior urgência, pois, apesar da mudança brusca pela qual passamos, diversos problemas de hoje já deveriam ter sido resolvidos há muito tempo.
Inclusão digital e classe: uma questão de educação
Uma das soluções mais ventiladas para superar a ausência física das aulas é a adoção da educação à distância. O método, que já era adotado por universidades e cursos livres, vem sendo utilizado pelas Secretarias de Educação dos municípios e estados do Brasil das mais diversas formas.
A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro também adotou medidas de educação à distância. Além de lançar um aplicativo no qual compila conteúdos a serem trabalhados pelos alunos da rede, o Município disponibilizou livros didáticos online através do portal da Multirio.
À primeira vista, parece uma boa ideia. Mas se analisarmos com cuidado, percebemos que a resposta é deficitária em muitos sentidos.
O problema mais óbvio é o de que nem todos os alunos do Município tem acesso à internet. Pesquisas apontam que 3 em cada 10 brasileiros não possuem acesso à internet; esse cenário é ainda pior quando consideramos a camada mais pobre da população: menos da metade dos cidadãos das classes D e E podem acessar as redes.
Além disso, o município do Rio não se preocupou em proporcionar educação digital ao alunado. Dados do último Censo Escolar apontam que metade das escolas municipais não tem laboratório de informática; na região sudeste do Brasil, 88% dos professores apontam que o número insuficiente de equipamentos e a velocidade insuficiente da internet são os fatores que mais atrapalham no uso de tecnologias digitais.
Esse problema se agrava pelo fato de que cerca de 25 milhões de brasileiros não usam a internet por não saber utilizá-la. Ou seja: o aluno, além de não possuir equipamentos digitais em casa, não tem acesso à educação digital na escola, e corre o risco de não ter a inclusão em casa, já que seus responsáveis também não sabem lidar com as tecnologias.
Portanto, o desafio que já deveríamos ter começado a superar é o da inclusão digital. Num país em que 54% dos empregos formais podem ser substituídos por robôs e programas de computador em menos de 10 anos, educar para o futuro é garantir a equidade de oportunidades. A inclusão digital deve ser trabalhada nas escolas; caso contrário, os filhos da classe trabalhadora continuarão penalizados pela baixa qualidade do sistema educacional em que se encontram, e na hora de se inserir no mercado de trabalho, vão encontrar desafios muito maiores do que suas habilidades.