As investigações conjuntas do Ministério Público Federal (MPF) do Brasil com o ministério público financeiro da França, sobre fraudes na escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016, indicam que um ex-secretário da Prefeitura do Rio contou ter pago propina em troca de votos.
Segundo o MPF, em julho de 2009, Eric Maleson informou às autoridades brasileiras, por meio de carta rogatória, que a delegação brasileira composta pelo presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman, e Ruy Cezar, foi à Nigéria para apresentar o Rio aos países africanos. Depois, Miranda Reis relatou a Eric que teria pago quantia para garantir a votação pela cidade fluminense.

‘Unfair Play’
O operação batizada de “Unfair Play” – que siginifica “jogo sujo”, em inglês – investiga a compra de votos para o Rio sediar os Jogos. A suspeita é investigada pelo ministério público financeiro da França, que fechou um acordo de colaboração com a Lava Jato.
O esquema de compra de votos envolvia um fornecedor do estado que tinha contratos milionários na gestão do ex-governador Sérgio Cabral. Arthur Cesar de Menezes Soares era o dono da empresa Facility e ficou ficou conhecido como Rei Arthur.
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, decretou a prisão do empresário, que mora atualmente em Miami, nos Estados Unidos, e não foi encontrado – já é considerado foragido.
Em Laranjeiras, no Rio, os agentes cumprirm um mandado prisão contra a sócia de Arthur, Eliane Cavalcante. Eliane é sócia de Arthur no grupo Facility e em outras empresas. Na denúncia, ela é apontada como braço direito dele.
Os dois vão ser indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Contratos de R$ 3 bi com governo Cabral
As investigações mostraram que Arthur foi responsável por contratos no valor de pelo menos R$ 3 bilhões com o governo de Sérgio Cabral. No documento, consta que, de um patrimônio de R$ 16.832.814,54 em 2006, Arthur Soares passa a ter R$ 156.382.814,54 em 2007, quando Cabal assume o governo do estado do Rio, aumentando em seguida, ano após ano.
Segundo o MPF, o empresário tinha uma conta chamada Matlock, num banco em Antígua e Barbuda, no Caribe, exclusivamente para fazer transferência de propina para o ex-governador. Cabral também tinha uma conta no mesmo banco, gerenciada por um doleiro.
Em setembro de 2009, Arthur Soares usou a conta Matlock para repassar US$ 2 milhões de dólares para o senegalês Papa Diak. O dinheiro seria para comprar o voto do pai dele, Lamine Diak, um dos integrantes do COI que teriam sido “comprados”.
De acordo com o MPF, há informações de que os africanos do COI “votavam em grupo”.
“É possível que tenha influência ou distribuição da propina [para outros eleitores] – mais uma vez, não estou afirmando – de uma votação em grupo. Nesse momento só estamos indicando um voto por meio de um agente privado, o Arthur. Mas podem existir outros agentes privados que também podem ter transferido (dinheiro) ou comprado (votos)”, disse a procuradora Fabiana Schneider.
Jean-yves lourguilloux, procurador francês presente na entrevista coletiva, acrescentou: “Os continentes podem votar em bloco ou em separado. Diack, hoje, é presumido inocente, só no final poderemos dizer o que aconteceu. Mas os R$ 2 milhões podem ter sido não só pra comprar um voto, mas pra ter um impacto muito maior”.
Os procuradores concluíram que o dinheiro para comprar o voto era fruto de propina recebida por Cabral. E que Nuzman teve o papel de foi o responsável por interligar corruptos e corruptores. As investigações apontam o presidente do COB foi o responsável por fazer os contatos, azeitar as relações para organizar o mecanismos do repasse de propinas de Cabral diretamente a membros africanos do COI.
Nesta terça pela manhã, policiais federais cumpriram mandados de busca e apreensão na casa de Nuzman, que fica num dos pontos mais valorizados do Leblon, na Zona Sul do Rio. Ele também presidiu o Comitê Organizador da Rio 2016 e foi o mestre de cerimônias do Brasil na Olimpíada.
Nuzman foi levado para prestar depoimento na Polícia Federal, onde chegou por volta das 10h. Não há mandado de prisão contra ele, mas a Justiça decidiu apreender o passaporte dele e o proibiu de sair do Brasil pois há a suspeita de que tenha um passaporte russo.
A Justiça decretou ainda o bloqueio de bens de Nuzman, Arthur e Aliane até um valor de R$ 1 bilhão.
‘Farra dos guardanapos’
De acordo com MPF, a “farra dos guardanapos” pode ter sido comemoração antecipada da vitória da Rio 2016.
“O que nós temos de informação é que Lamine Diack era um frequentador assíduo de Paris e pode ter havido [na farra dos guardanapos] uma comemoração antecipada [da vitória da Rio-2016] daqueles que mais lucraram com a Olimpíada no Brasil”, destacou a procuradora Fabiana Schneider.
A suposta celebração ficou conhecida como “farra dos guardanapos” após uma foto, que veio a público em 2012, publicada pelo blog do ex-governador Anthony Garotinho, mostral Cabral e amigos – muitos deles hoje acusados de envolvimento em esquemas de corrupção – confraternizando em um restaurante em Paris usando guardanapos amarrados na cabeça.
Na decisão em que determina as prisões e buscas, o juiz Marcelo Bretas diz que o pagamento de propina a eleitores do COI, se confirmado, é de “gravidade muito superior ao que tem sido apurado na vasta série de investigações” da Lava Jato no Rio.
Principais pontos da investigação:
- A Justiça francesa investiga denúncia de compra de votos na escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016.
- A suspeita é que um dos votos comprados é o de Lamine Diack, então membro do Comitê Olímpico Internacional.
- Segundo o MPF, o dinheiro para a compra do voto de Lamine saiu de uma empresa de Arthur Soares, o Rei Arthur.
- Uma empresa de Soares transferiu US$ 2 milhões para Papa Diack, filho de Lamine.
- Para o MPF, as ‘negociações’ feitas por Carlos Arthur Nuzman foram ‘essenciais’ para o repasse da propina.
Servidor Público de Carreira
Servidor público desde o governo de Carlos Lacerda, na década de 60, Ruy Cezar foi diretor de administração em 1968 e desde então vem assumindo cargos de direção no município.
Em 1993, na primeira gestão do governo Cesar Maia, foi coordenador de fiscalização e licenciamento da prefeitura. Também foi secretário municipal de Esportes e Lazer.
Em 2008, o então prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes, anunciou a indicação de Ruy Cezar para cuidar dos preparativos da Copa de 2014 e da candidatura da cidade para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016.
“Ruy Cezar conduziu a campanha pelo Pan 2007 desde o início. Ele foi fundamental, acreditou e trouxe o Pan para o Rio. Ele também construiu a primeira fase da candidatura para 2016. Ou seja, conhece bem o nosso projeto e está qualificado para tocá-lo”, disse Paes, acrescentando que até meados de junho de 2008, Ruy Cezar era secretário do então prefeito Cesar Maia.
O ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, não foi citado nesta investigação.