Em 2016, depois de ser chamada de “cínica” e “nojenta” nas redes sociais do “humorista”, a deputada federal Maria do Rosário encaminhou, por meio da Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, uma notificação extrajudicial, solicitando – notem: solicitando, sem ordens ou ameaças, extrajudicialmente – a retirada das ofensas do ar. Gentili, ao receber a notificação, grava vídeo, no qual chama a parlamentar de “puta”, rasga a notificação, esfrega nas partes íntimas (!) e remete de volta.
Numa outra ocasião, há 5 anos atrás, Gentili foi processado por Michele Maximino. À época, ao noticiar que Michele pretendia se candidatar ao Guinness Book como a maior doadora de leite materno do mundo, Gentili afirmou que “em termos de doação de leite ela está quase alcançando o Kid Bengala”; seu parceiro de bancada perguntou “o tamanho das tetas” e, ao exibirem uma foto da mulher em trajes para a doação de leite, afirmou que “isso não é uma espanhola é uma América Latina inteira”; por fim, Gentili diz que “depois que ela viu que não vai ganhar nada doando leite, ela resolveu vender” e aparece uma caixa de leite condensado escrito “leite da moça” com a foto de Michele.
O resultado disso? A mulher precisou sair da cidade do interior onde vivia com a família por conta das piadas das quais foi vítima. Recebeu uma enxurrada de mensagens e propostas de teor pornográfico nas redes sociais e no telefone. No fim das contas, até mesmo o volume de doação de leite foi comprometido por conta do abalo psicológico.
Nas duas ocasiões, Gentili foi processado e condenado; na primeira, a 6 meses de detenção e na segunda, a pagar R$80 mil à vítima. Na sequência das condenações, vai Gentili vociferar, aos quatro ventos da internet, que é vítima de patrulha do “politicamente correto”, que tem sua liberdade de expressão cerceada, que isso tudo é mimimi…
Mas vejam só o plot twist: o próprio Gentili acionou judicialmente à blogueira Cynara Menezes por injúria (notem: exatamente a mesma acusação que lhe fez Maria do Rosário!). O motivo? A um tweet em que o “humorista” diz que um cara é um gênio por esperar uma “gostosa” ficar bêbada para transar com ela, Cynara replicou que Gentili incentivava a cultura do estupro e que não precisava se preocupar com a própria reputação, pois não a tinha. Simples assim.
Pra comprovar que pimenta nos olhos dos outros é refresco, dentre as diversas personalidades que prestaram apoio a Gentili, destaca-se nosso Exmo. Presidente da República, Jair Bolsonaro. Sim! Reproduzo aqui, ipsi litteris, a moção de apoio do Ilustríssimo:
Me solidarizo com o apresentador e comediante @DaniloGentili ao exercer seu direito de livre expressão e sua profissão, da qual, por vezes, eu mesmo sou alvo, mas compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 11 de abril de 2019
Longe da minha pessoa chamar o Presidente de hipócrita. Jamais. O medo de processo não deixa. Mas o Ilustríssimo, que compreende que piadas são parte do jogo e aceita tranquilamente que exerçam sobre ele o direito de livre expressão, processou Jean Wyllys por calúnia e injúria, Ciro Gomes por calúnia e injúria, a Revista Forum por “uso abusivo de imagem e violação de privacidade e conduta difamatória”, Carlos Minc por injúria… Isso, sem citar os nomes que foram ameaçados de processo pelo Excelentíssimo. Espero que o meu não entre na lista.
Não vou entrar no mérito moral e/ou legal do aspecto da liberdade de expressão. Mas sou obrigado a questionar: Bolsonaro não esboçou nenhum tipo de reação ao gravíssimo fuzilamento perpetrado pelo Exército, que, com 80 tiros, tirou a vida do músico Evaldo Rosa diante de sua família – e o porta-voz da Presidência, por sua vez, classificou o ocorrido como um mero incidente. Qual a razão para o silêncio diante do fuzilamento – que, diga-se de passagem, foi efetuado por instituição que se encontra sob seu comando -, se arrumou tempo para defender um humorista condenado por decisão proferida conforme o devido processo legal?
Desconfio que, a Bolsonaro, parece mais importante o seu direito de não ser responsável pelas próprias palavras, do que o direito que um homem tem à própria vida.