Em 2016, quando Marcelo Crivella tomava a frente da disputa à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a maior preocupação de seus opositores era se ele, bispo licenciado da Igreja Universal, saberia separar sua religião de sua atuação como gestor público – e ele sempre prometeu que sim.
No entanto, já está mais que claro que Marcelo Crivella não conseguiu cumprir sua promessa. Desde o começo de seu mandato, Crivella já demonstrou, em diversas ocasiões, que a Igreja é sua prioridade, mesmo que, para atender às demandas da instituição, precise passar por cima do restante da população.
Foi o caso da emblemática reunião, na Prefeitura, com diversas lideranças evangélicas, na qual Crivella prometeu desde semáforos nas portas das igrejas até prioridade para fiéis na fila das cirurgias de catarata. Não satisfeito, Crivella ainda sancionou projetos de lei que deram a diversas igrejas o título de Utilidade Pública, que possibilita aos templos requererem uma série de benefícios – mesmo com parecer contrário da própria Secretaria de Assistência Social do município.
Além disso, desde o primeiro ano de exercício do cargo público, Crivella ataca o Carnaval, festa que traz bilhões de reais para a Cidade – mas que, de acordo com a religião do Prefeito, é pecado. Crivella corta recursos das escolas de samba e de eventos culturais relacionados à festa, e chegou ao cúmulo de ser o primeiro Prefeito da história da cidade a se recusar a abrir o Carnaval do Rio.
Mas essa colunista quer se debruçar sobre a influência – negativa – que a religião de Crivella tem sobre a educação. O leitor já deve estar cansado de ouvir da desastrosa gestão que o Prefeito faz com os recursos de nossas escolas e creches, mas o homem – infelizmente – parece empenhado em dar cada vez mais assunto para os críticos (eu incluída).
Em terreno de escola, fábrica de bíblia
Desta vez, Crivella deve ter pensado que sua peripécia passaria batida. Mas o excelente Rubem Berta, em seu trabalho de jornalismo investigativo, jogou luz sobre mais esse furo do Prefeito.
Por força de um decreto de 1976, um terreno na Avenida Dom Hélder Câmara, na zona norte do Rio, deveria ser utilizado para a construção de uma escola. Crivella, no começo do ano, incorporou o terreno ao patrimônio do Município, aproveitando uma brecha na legislação para tirar o corpo fora da obrigação de instalar o espaço de ensino.
Crivella não usou o terreno pra nada, até julho deste ano, quando cedeu o uso do terreno, por vinte anos, para… a Sociedade Bíblica do Brasil.
A empresa, que se dedica a fabricar bíblias que distribui para diversas denominações – inclusive a Universal de Crivella -, havia dito ao jornalista que implementaria no local “um centro de conveniência para a população da cidade”, mas, dois meses depois, disse que o contrato de construção do local havia sido cancelado formalmente com a Prefeitura. No entanto, não se encontra qualquer registro do cancelamento desse contrato nos Diários Oficiais, e tampouco a Prefeitura forneceu cópia do processo que concedeu o espaço à SBB – pois o processo foi misteriosamente perdido.
Para piorar a situação, a esposa do Prefeito foi eleita, em 2016, para o Diretório Estadual da SBB no Rio de Janeiro.
Outro ataque à educação
Não fosse essa vexatória concessão suficiente, Crivella tem um péssimo histórico quando se trata de misturar religião e educação.
Há poucos meses, o Prefeito foi assunto no país inteiro ao censurar uma HQ, na Bienal do Livro, sob a alegação de que o livro exibia “conteúdo sexual para menores”.
O conteúdo? Um beijo entre dois homens.
Numa clara demonstração do caráter estritamente moralista de sua ação, Crivella ainda declarou nas redes sociais que o que fez foi “defender a família”, pois a homossexualidade “não pode ser induzida, seja na escola, seja nos livros, seja onde for”.
Além disso, o deputado Carlos Jordy (PSL) declarou, em suas redes sociais, que Crivella e o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, teriam feito acordo pela militarização das escolas municipais do Rio – essas escolas, como já demonstramos aqui na coluna, são mais caras e não necessariamente mais eficazes. Ao fazer esse acordo, Crivella também se esquece do estado das escolas hoje, das quais retirou mais de R$ 9 milhões para outras pasta.
Então, essa coluna repete a mesma pergunta que fizemos há poucos meses atrás, quando mostramos que 73% de nossas escolas estão em mau estado de conservação: Crivella, quando a educação será sua prioridade?