A nova produção brasileira da Netflix, Irmandade, apresenta uma perspectiva interessante a respeito do crescimento de uma organização criminosa dentro de uma instituição penitenciária, com base na punição exemplar dos “ratos” da organização e, consequentemente, do estabelecimento de uma ditadura do medo.
O uso da violência para a imposição de poder pelos criminosos é uma estratégia milenar. O ponto inovador é o fato de que a confiança entre os criminosos, principalmente quando estes estão encarcerados, é essencial para perpetuar sua atuação. A oposição aos “dedos duros” está tão arraigada na cultura nacional que não compreendemos a dominação produzida pelo medo como essencial à manutenção da entidade criminosa.
Não é só na ficção que a cultura de oposição ao delator aparece. Em depoimento à CPI da Petrobras em 2015, quando Marcelo Odebrecht ainda resistia à ideia de colaborar com a justiça, a forma como este disse educar suas filhas nos chamou a atenção. Ele afirmou que talvez brigasse mais com a filha que dedurou do que com aquela que começou o fato. Ser dedo duro para ele era algo repreensível, mais do que ter um departamento de corrupção na empresa. Interessante o dilema moral.
São diversos os nomes para aqueles que, em algum momento, rompem com o esquema desviado: “ratos”, delatores, x-9, whistleblower, traidores, entre outros. E nenhum deles é avaliado de forma positiva pelos que os “acusam”.
Em recente evento realizado na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, o professor e procurador do Estado, Dr. Bruno Boquimpani Silva, proferiu a palestra “Whistleblower na Administração: desafios ao implemento do instituto”. Como bem demonstrou, o instituto whistleblower está presente em diversos normativos internacionais e de forma tímida nas leis pátrias, a Lei nº 9.807/99 (proteção à testemunha) e a Lei nº 13.608/13 (serviço telefônico de recebimento de denúncias). O referido instituto possibilitou a repatriação de bilhões de dólares; a reformulação do sistema bancário suíço; a reformulação do sistema de hipoteca no Estados Unidos, entre muitos exemplos, oferecendo recompensa e proteção aos denunciantes.
Observe-se que não se trata da “delação premiada”, já muito conhecida dos noticiários nacionais. O whistleblower não é autor ou partícipe do ilícito e, pelo menos no sistema judicial norte-americano, pode ser responsabilizado em caso de, conscientemente, se utilizar de fraude ou alegações falsas para receber valores ou deixar de pagar obrigações. Talvez o ponto mais atrativo do instituto seja o fato de que a recompensa paga pode chegar a 30% do valor efetivamente recuperado em razão do processo.
Se o silêncio é condição para a perpetuação da opressão e do ilícito, a quem interessa a cultura moral de oposição à recompensa pela denúncia e aos próprios denunciantes? Certamente, ao combate à corrupção é que não é.